Psicanálise e neurociência

Autores

  • Marie-Christine Laznik Association Lacanienne Internacionale
  • Monah Winograd Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
  • Aldo B. Lucion Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • Marcos T. Mercadante Escola Paulista de Medicina
  • Gisela Haddad
  • Vera Zimmermann

Resumo

Em uma entrevista ao Caderno Cultura do jornal O Estado de São Paulo, em setembro último, Elizabeth Roudinesco foi categórica quanto ao pertencimento da psicanálise ao campo das ciências sociais, afirmando ser desnecessário seu diálogo com as neuroses. Para ela o cérebro e os neurônios podem precisar de psicofármacos, mas não de psicanálise, que será sempre a medicina da alma. Tomamos esta afirmação contida em um trecho de sua entrevista apenas como ilustração do terreno minado e controverso em que se constituem no último século as fronteiras entre os conhecimentos da Biologia e da Psicanálise. Desde que há duas ou três décadas as ciências do cérebro se agruparam sob o título de Neurociências, defendendo a importância da arquitetura e da materialidade cerebral e propondo uma busca mais sensível de suas possibilidades, puderam ser apontadas algumas conexões entre os resultados de suas pesquisas com evidencias já demonstradas pela psicanálise, uma delas a singularidade psíquica de cada indivíduo. Conceitos com a plasticidade (o cérebro não seria um órgão estático e sim evoluiria durante a vida, guardando as marcas das experiências vividas) e a epigênese (tudo o que não é determinado pela genética, isto é, que corresponde às modificações transmissíveis e reversíveis das expressões dos genes) revelam não só que a determinação genética não seria maior que a determinada ambiental ou psíquica, mas pedem uma articulação entre elas. Se pela genética não herdamos definições e sim disposições para cumprir funções segundo as exigências do meio ambiental que nos recebe, tal modelo etiológico passa a admitir a complexidade e as potencialidades além das causalidades, e a pensar a ação conjunta da herança genética e cultural, da situação singular, da história dos conflitos humanos, das condições histórico-sociais. Mas mesmo avançando sobre a idéia de um paralelismo, as colaborações entre esses dois campos apenas engatinham. Uma visada pelos textos produzidos recentemente por estudiosos de uma e de outra área mostra defensores e opositores de ambos os lados, e alguns que apostem que as duas impõem questões uma para a outra. As recentes contribuições sobre a maturação, o desenvolvimento e a plasticidade neuronal do cérebro poderiam ampliar o entendimento das peculiaridades e complexidades do psiquismo humano? As formas de teorizar e clinicar contidos no acervo da psicanálise ajudariam com seus modelos de pesquisas e interpretações sobre o funcionamento psíquico? Em julho deste ano realizou-se em Paris o I Seminário Internacional Transdisciplinar de Clínica e Pesquisa sobre o Bebê, que parece confirmar uma tendência na relativização de conceitos e verdades estabelecidas e um movimento que, em vez de privilegiar uma hegemonia de idéias ou de modelos, abre-se para explicações mais abrangentes, multidisciplinares e admite colaborações entre saberes antes considerados antagônicos. Um dos trabalhos, apresentado por uma psicanalista francesa, confirmou, via ecografia, que os batimentos cardíacos de bebês intrauterinos se intensificavam quando a mãe falava-lhes o ‘manhês’ comparado a duas outras interferências da voz materna (pensando nele e conversando com uma outra pessoa). Para além da construção de um campo ampliado que possa refletir sobre a constituição subjetiva do bebê e da parentalidade ou contribuir na edificação de uma rede de atendimento e cuidados da infância, haveria o fato inédito de profissionais de estas duas áreas ousarem romper certas barreiras dogmáticas. A sessão Debates da Revista Percurso, no intuito de fazer ressoar tais diálogos e interrogações, convidou colegas de ambas as áreas para pensar e escrever a respeito.

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Biografia do Autor

Marie-Christine Laznik, Association Lacanienne Internacionale

É psicanalista em Paris, doutora em Psicologia Clínica, professora da Universidade Paris 13 e autora entre outros de Rumo a palavra, A voz da Sereia (Ed. Agalma), O que a clínica do autismo pode ensinar aos psicanalistas (Ed. Agalma). É membro da Association Lacanienne Internacionale (ALI).

Monah Winograd, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

É psicanalista, professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio,coordenadora do grupo de pesquisa Materia Pensante (www.materiapensantesite.xpg.com.br), editora da Revista Psicologia Clínica/PUC-Rio e coordenadora do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica/PUC-Rio

Aldo B. Lucion, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

É formado em Biomedicina, mestre e doutor em Fisiologia pela Universidade de São Paulo e professor associado no Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS.

Marcos T. Mercadante, Escola Paulista de Medicina

É professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), diretor de Pesquisa do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Infância e Adolescência (INPD), mestre em Psicologia pela PUCSP, doutor em Psiquiatria pela FMUSP e pós-doutorado em Psiquiatria da Infância e Adolescência no Yale Child Study Center.

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Publicado

31-12-2009

Como Citar

Laznik, M.-C., Winograd, M., Lucion, A. B., Mercadante, M. T., Haddad, G., & Zimmermann, V. (2009). Psicanálise e neurociência. Percurso, 22(43), 131–138. Recuperado de https://percurso.openjournalsolutions.com.br/index.php/ojs/article/view/1180

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